domingo, 24 de março de 2013

Crítica: Elizabeth (1998)













“Observe, Lord Burghley, I am married... to England”.

Dirigido por: Shekhar Kapur. Produzido por: Tim Bevan, Eric Fellner e Alison Owen. Roteiro de: Michael Hirst. Montado por: Jill Bilcock. Fotografia de: Remi Adefarasin. Música de: David Hirschfelder. Estrelando: Cate Blanchett, Geoffrey Rush, Christopher Eccleston, Joseph Fiennes, John Gielgud e Richard Attenborough.

Livremente baseado nos primeiros anos do reinado de uma das monarcas mais notáveis da história ocidental, Elizabeth inova justamente por focar em um período geralmente ignorado pelo cinema em se tratando desta. Quando muitos focaram suas produções na derrota da Invencível Armada Espanhola em 1588, o diretor indiano Shekhar Kapur (que depois continuaria a história em 2007 com Elizabeth: A Era de Ouro) preferiu retratar o jogo político que culminou com a ascensão de Elizabeth e a formação de sua personalidade através da difícil e trabalhosa missão de se manter no poder e de defender o país e a si mesma das intermináveis ameaças internas e externas.


Em 1558, a rainha católica Mary I morre de câncer, deixando o trono para sua meia-irmã Elizabeth (Cate Blanchett). Alçada ao poder, Elizabeth é cortejada por inúmeros pretendentes e precisa lidar com inúmeras ameaças ao seu reino. Assim, deixa de ser uma moça inocente e ingênua, já que isto é incompatível com a malícia necessária para governar e dominar os homens ao seu redor, para ser uma mulher altiva e poderosa. Tal transformação é o arco dramático do longa, sendo conduzida com uma inteligência visual inigualável.

Ao subir ao trono, Elizabeth tem em suas mãos uma nação endividada e sem poderio bélico, cuja única solução lógica seria uma aliança com outra nação, na forma de um casamento. Esta opção, contudo, não está nos planos da jovem, que apaixonada pelo Lord Robert Dudley, não deseja desposar nenhum dos homens que a cortejam. Após descobrir que Dudley é casado, Elizabeth se desilude e acaba descobrindo que o limite entre sua vida pública e privada é deveras tênue.

Numa cena genial, determinado personagem afirma “O corpo e a pessoa de Sua Majestade não são mais propriedade dela. Eles pertencem ao Estado”. Logo após, vemos Elizabeth e Dudley fazendo amor em uma cama com dossel coberto por um tecido com estampa de olhos, numa metáfora brilhante acerca da condição de um monarca. Em nenhum momento ele está realmente sozinho, não possui vida pessoal.

Cercado por pistas visuais que definem a história psicologicamente, o diretor de fotografia Remi Adefarasin inteligentemente faz com que as cores usadas por Elizabeth silenciosamente espelhem seu arco dramático, de forma simultaneamente óbvia e subliminar. Antes de se tornar rainha, a moça veste roupas com tons neutros, como verdes claros e pastéis. Em dourado, Elizabeth é coroada. O carpete sobre o qual ela anda é do mesmo vermelho ostentado pelos cortesãos que a rodeiam. Esse vermelho não é claro, é profundo, rico, impregnado com uma aura de poder. Uma cor que ao mesmo tempo seduz, perturba e provoca.

Numa cena que visualmente captura o jogo político, a rainha se encontra com seus cortesãos e conselheiros. Os enormes chapéus pretos de todos os homens que a cercam encurralam-na e diminuem seu tamanho. O poderoso vermelho de sua roupa, entretanto, energiza o espaço e domina o ambiente. Tudo isso aliado a uma mis-en-scène que ilustra perfeitamente o desempenho crescente de Elizabeth em seu discurso e a enquadramentos que representam a “situação” desta no jogo que se segue. Se no início da cena a monarca é vista sempre por um ângulo alto (em belíssimos planos plongé), no final ela situa-se na linha dos olhos de seus “oponentes” e no ponto mais forte do quadro.

A atuação fenomenal de Cate Blanchett e os diálogos sensacionais ilustram com perfeição o estabelecimento de um mito. Em certo momento, ao refletir sobre a própria existência e propósitos, Elizabeth ouve de seu conselheiro Walsingham que “Para reinar supremos, todos os homens precisam de algo maior que eles mesmos para adorar... Eles devem ser capazes de tocar o divino aqui da terra”. Assim Elizabeth, de roxo, ajoelha-se diante de uma estátua de mármore de um ícone cristão. “Ela tinha tal poder sobre os corações dos homens. Eles morreram por ela”. Então, numa sacada brilhante, Walsingham diz: “Eles não encontraram nada para substituí-la”. É o mito em sua essência.


Numa brilhante exposição visual, vemos uma mulher se transformar em ícone. Um ritual de abordagem quase religiosa começa: uma dama de companhia corta o cabelo da Rainha. Imagens de sua trajetória percorrem a tela. É o ritual da preparação de um ídolo (“Eu me tornei uma virgem”). O quadro dá um fade-in para branco e dele emerge uma figura mais ícone do que humana. Como que para um casamento, suas damas de companhia ajoelham-se em seus vestidos brancos e véus. É uma transformação forjada por pura obstinação e diligência. Elizabeth sobe a escada rumo a seu trono sobre um carpete da cor do sangue e do poder. A Rainha vira seu semblante branco e olha para a frente, encarando-nos.

No final, foi ela quem se tornou a mais esperta de todos.


Por Bernardo Argollo

All the frames used here belong to Blu-ray.com and Universal Pictures.

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